quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

O primeiro cigarro.





Dentro do Fiat,estávamos do meio do pantanal,do meio da madrugada,tentando lembrar que tínhamos que volta pra casa ou os nossos pais iam ficar putos.Mas a Amélia estava do meu lado,fumando um cigarro,enquanto o Bruno estava do banco da frente,olhando pro volante,rindo a toa,e tentando ligar o radio.Amélia não queria transar,e se transasse,seria com o Bruno,não comigo.Pra ela,eu era apenas um garoto sensível,e nada mais.Bruno não,Bruno era o trabalhador braçal operário,o cara que transava com sei lá quantas garotas.Eu era o cara que levava as garotas pra casa depois de um dia de bebedeira.De qualquer forma,o sol ainda não apareceu,mas a Lua estava querendo se despedir junto com os gritos dos gatos noturnos.Alguns dos gatos ficavam em cima do teto do carro,fazendo amor e depois olhando para o vazio do grande e longo pantanal.A maioria dos carros foram embora,deixaram o pantanal apenas pra gente.Você tinha que ver:o Pantanal se amplificava em uma dimensão tão grande de mato e campo,que parecia que ela não tinha fim.Aquilo era bonito,fazia a gente ficar mais próximo da natureza,do universo e coisa do tipo,e também fazia a gente esquecer um pouco da cidade.Um lugar que as vezes consegue nos deixar pra baixo.
Amélia olhou pra trás,e depois pra frente.Ela deu um sorriso,e deu uma tragada do cigarro.Ela soprou a fumaça em cima da nuca do Bruno.
Porra Amélia!Cuidado com essa merda!Você sabe que eu não gosto de cigarro.
Amélia riu,riu com aquela risada estridente,aguda,e profundamente infantil.
Um cara grandão como você tem medo de fumaça!Isso é tão cômico!
Bruno parou de olhar pro volante,e deu uma olhada pra Amélia.Amélia olhou pra ele com olhos ardentes ,cheio de querosene querendo explodir em mil pedaços.
Eu gosto de provocar você,e sinceramente,é apenas um cigarro.
Bruno ficou mais bravo,mas sabia que Amélia estava o provocando.Eu apenas estava olhando pra cena toda,e nada mais. 
-Cigarro mata,eu pensei que você sabia disso.
-Oras Bruno,cigarro não mata.Viver a vida que mata o nossos oxigênios.Nada mais!
-Não venha com essas baboseiras.
Amélia olhou pra mim rapidamente,deu mais um trago,e soprou a fumaça novamente pro rosto do Bruno.Bruno fechou os olhos,mas sorriu que nem uma criança.Ele sabia que era uma brincadeira boba da Amélia.Amélia apenas observava a fumaça desaparecer,e o rosto do Bruno ficar nítido novamente. 
Bruno repetiu... 
-Cigarro mata.
Amélia volta a provocar ele.
-Cigarro mata?Quem disse isso?
Bruno responde. 
-Vários médicos,vários especialistas em saúde. O Drauzio Varella falou que viver bem é viver sem cigarro.Um dia você pode perder esse rostinho lindo por causa do cigarro.
Amélia ri. 
- Drauzio Varella falou que viver bem é viver sem cigarro?Mas quem é ele pra saber como uma pessoa vive mal ou vive bem?
-Ele é um médico,porra!
-Sim,sim,mas você já viu o rosto dele?Meu Deus,parece que o cara tem 200 anos,e que nunca deve ter chupado uma boceta ou uma rola.A cara dele é simplesmente...broxante.Acho que o rosto do Drauzio Varella é umas das coisas mais tristes do mundo.É simplesmente o retrato da profunda decadência humana. Drauzio Varella é o retrato do lado decadente humano.É triste... 
Bruno falou
-Você tá falando merda!Ele é um médico,e tem saúde de sobra!
-Querido Bruno.Se ter saúde é ter aquele rosto de maracujá podre,sinceramente...eu prefiro ter uma péssima saúde.Deus me livre!Aquela cara dele...é umas das coisas mais tristes do mundo!Sei,sei.Eu sei que um dia eu vou perder tudo isso aqui,(Ela ficou olhando pra pernas gostosas dela,dos seios,e tudo mais,aquilo me deixou com tesão.Bruno também ficou com tesão.) mas pelo menos eu não vou ter o rosto nesse cara.Deus do céu...
Ela deu novamente aquela risada estridente,Bruno também riu,eu fiquei apenas observando com um sorriso bobo e perguntei...
-Qual é a graça pessoal?
Amélia respondeu.
-Nada.Tirando o fato de que somos retardados.Deus do céu!Como somos retardados!Ah!Nicolas!Eu sei que você é o corretinho e tudo mais,mas eu lhe suplico um pequeno desafio para a sua grande integridade moral.
Eu fiquei interessado,e perguntei do que se trata.
Ela respondeu.
-Nada demais pra qualquer um,mas pra você é algo inadmissível.Você esta vendo esse cigarro da minha boca?O bico dele esta molhado com o meu batom abarrotado.E sobra pouco pro cigarro apagar,e se transformar nada mais e nada menos do que um simples pedaço de cinzas.Você consegue ver o quanto é profundo?O quanto é lento o ato de morrer?Até mesmo tragando,tirando um barato num sábado a noite?Enquanto os teus pais,os teus queridos pais,estão te esperando,mas você esta tão entediado que decidiu curtir a noite com a gente?Bom,veja só todas as representações dramáticas que possui nesse simples cigarro.Esse cigarro esta quase apagando,e ele possui apenas uma chance,um pequeno,curto e simples fumo,e depois disso,ele não será nada mais do que um ex-cigarro.Um ex-cigarro que não serve pra nada,a não ser colocar ele do cinzeiro.O lugar das coisas que se transformam em cinzas.Porém,antes da derradeira morte do cigarro,lhe suplico um ultimo fumo dentro da tua boca torta.Nicolas,eu dou esse cigarro pra você,e você pode fumar ele.Você tem fantasia,tem imaginação,e tudo mais.Então você pode pensar que fumar esse cigarro(preste a não ser mais um cigarro) é quase a mesma coisa que beijar da boca da doce Ofélia antes de ela pular do rio.Algo tão doce,tão mortal,tão...sexy.Nicolas...eu lhe dou o meu cigarro pra você.
Ela falou tudo isso com uma voz tão suave,tão doce,tão tentadora.Mas era o cigarro,o famoso e fatal cigarro.O mesmo cigarro que os meus pais tem medo,o mesmo cigarro que o meu amigo Valdivia fumou antes de se matar,o mesmo cigarro que a minha querida professora Luciana detestava de ver.Antes de ela ir embora da escola(pra sempre),ela disse algo pra mim.Algo que nunca vou esquecer.
“Nicolas.Eu gosto muito de você.Você é um bom aluno.Mas sabe como é,viver não é fácil.Você pode cair em certas tentações,e um dia você pode falhar miseravelmente.Talvez você não entenda agora,pois você é apenas um garoto .Mas um dia,você não será mais um garoto.E quando chegar esse dia,ou quando você sente que a versão garoto do Nicolas esta indo embora,tome cuidado.Tome cuidado com os outros,com as pessoas,com o mundo,com as tentações.Seja correto Nicolas.Não roube,não beba tanto,e não fume cigarro.Essa droga mata.Acho que você viu a aula do George.Não fume,não transa sem camisinha,mas sim...seja feliz.Deus te abençoe.”
Eu fiquei em silencio,pensando da professora Luciane,dos meus pais,e do Valdivia.Valdivia ia falar algo parecido,mas ele colocaria mudaria a parte”não fume cigarro”.Ele ia colocar”Fume cigarro,mas não maconha.Essa merda fede muito”.De qualquer forma,parecia que Amélia estava me testando,percebendo que o cigarro tinha um simbolismo profundo da minha vida.Porém ela não deve ter imaginado que era algo tão profundo.Ela fugiu de casa já faz um tempo,e não precisa lidar com os pais ou com outra pessoa. Diferente de mim.
De qualquer forma,lá estava eu,Amélia,Bruno.Os dois estavam olhando pra mim.Bruno não gostava de cigarro,mas sem duvida estava apreciando a minha situação de fumar ou não fumar.
-Por que você não pede pro Bruno fumar?
Questionei Amélia.Ela sorriu,pensando que eu sou uma pessoa ingênua demais,e respondeu...
-Ele já fumou.Ele fumou semana passada,do bar do Thomas.Você não estava lá.Apesar de que ele detestar cigarro,ele fumou da boa.Do final das contas,Bruno é um cara que aceita qualquer merda quando esta bêbado.Acho que ele aceitaria até chupar uma boceta.
-Isso eu faria com total prazer.
Respondeu o Bruno.
Eu fiquei olhando pro cigarro,pensando dos dilemas.Porém,eu dei uma olhada pro pântano.Tudo estava vazio e escuro.Só tinha nos três daquele lugar,e nada mais humano.Eu olhei pro cigarro,pensei da possibilidade de magoar todo mundo,porém era uma tentação formidável.Tão formidável quanto fazer um pacto com Lucifer.
-Se eu fumar,você vão contar pra alguém? 
Perguntei eu pra eles,com um olhar serio. 
Ambos responderam não.
Eu peguei o cigarro que estava das mãos de Amélia,olhei pra ele.Pra fumacinha saindo do buraco,e coloquei ele da minha boca.Os dois sorriram com malicia.Eu também.
-Legal.Agora puxa o fumo.Vamos lá garotão.
Quando Amélia disse lentamente a palavra “garotão”,bom...eu fiquei com o êxtase lá em cima.Eu fumaria uns mil cigarros só pra poder beija a boca daquela mulher.Deus do céu,que mulher sexy.Ela estava vestida toda de preta,usando um batom vermelho,e o vestido estava tão curto,que era impossível não olhar pra pernas grossas dela. 
Eu tirei o fumo do cigarro.Eu engoli a fumaça,deixei ela da minha boca.Tinha um gosto cinzento e estranho,mas era interessante.Depois disso,eu soprei a fumaça pro teto do carro,e foi algo legal.Deu uma certa calmaria do meu corpo e mente,e compreendi o porque as pessoas gostam tanto de fumar.Mas quando eu vi a fumaça se dissipar sobre o teto,fazendo todo o carro feder.Bom,eu senti o halito da lamentação e decepção.Eu senti o halito da lamentação e decepção.
E claro,eu não transei com a Amélia.Eu apenas fumei um cigarro holywood.

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