Daniel Bernado. A rua que me prende.A rua que me deixa aqui
por um bom tempo.Eu choro com ela,eu sangro com ela,e as vezes...eu sonho com
ela.Eu sonho com a rua Daniel Bernado.
Eu sonhei com ela hoje a noite, do meio da madrugada.
Do meu sonho,eu estava na rua novamente, só que a rua estava
lotada.Assim como boa parte dos bons sonhos,eu não sabia o porque a rua estava lotada. Parecia que a maioria
estava lá bebendo, curtindo, ouvindo uma música, ou coisa do tipo. De qualquer
forma, eu estava na bombonierie, com o meu pai, e eu disse pra ele...
-Pai,eu vou dar uma saída.Eu vou visitar o meu amigo.Parece
que ele quer que eu toque novamente no bar dele.
-Ok filho.
-Você vai conseguir atender todo esse pessoal?
-Vou sim.Parece que eles estão apenas bebendo na rua,e nada
mais.Eles estão ai já faz duas horas,e eles não vieram aqui.
-.Beleza.Eu vou lá,daqui a pouco eu volto.
Eu sai na bombonierie, e tentei cruzar a esquina,onde eu ia
me deparar com a papelaria Walkiria. Porém, quando eu ia cruzar a esquina,uma
garota me esbarrou.Ela olhou pra mim,eu olhei pra ela,e nos reconhecemos.Ela
disse o meu nome.
-Nicolas!
Eu sabia quem era a garota.O nome dela é Katie.Ela é uma
garota de um metro e oitenta,que tem cabelo vermelho,óculos com cor
vermelho,blusa vermelha,e uma calça jeans apertado.Dava pra ver a beleza das pernas dela,e ela sempre foi uma
garota bonita.Eu nunca entendi a fixação dela por cores vermelhas,mas eu fiquei
surpreso por ver ela. Ela era uma ex-colega na escola Darcy Ribeiro.Uma escola
que fica também na rua Daniel Bernado,em frente do estabelecimento do meu pai.
Ela sempre pedia ajuda pra mim dos estudos.Eu sempre a ajudava,pois eu era um
nerd boboca.
Ela me abraçou por um bom tempo,e eu estava gostando
disso.Parecia que ela estava com o pessoal da rua.Ai depois de um tempo, apareceu
outra pessoa. Apareceu a amiga dela, que se chama Ana. Ela é morena, alta também, e é igualmente bonita. Eu também ajudava ela dos
estudos. Ela me abraçou também, só que com mais timidez.Ela não estava tão extrovertida quanto a Katie.
A gente ficou lá,falando dos velhos tempos.Do decorrer do
papo,eu perguntei pra elas o porque elas estavam lá.Elas responderam.
-Estamos esperando o encontro começar!
-Que encontro meninas?
-O encontro da turma do primeiro ano!
-A turma do primeiro ano?
-Sim!
-Pra que isso?
-Pra matar a saudade!
-Vocês duas tem saudades no Darcy?
-Temos.Você não tem não Nicolas?
-Não.
Elas riram com a minha resposta.Se você me perguntar o
porque,eu não sei lhe responder.Elas sempre acharam que eu era um cara
estranho,e sempre me achava engraçado por causa disso.
-Quem vai aparecer nessa reunião?
-Carlos.Jefferson.
-Jefferson vai aparecer?
-Sim.
-A Romenia.A Fulana...a sei lá quem...
E o pessoal apareceu.E
a gente ficou se abraçando e tudo mais.Eu fiquei um pouco contente,pois
o Jefferson estava lá,e já fazia tempo que não via ele.Jefferson é uns dos
poucos amigos que eu tinha da época.
-Eae meu rapaz? Como anda a tua vida?
-Anda bem,Nicolas.
-Ainda esta tocando?Como vai a música?
-Eu sou enfermeiro de um hospital. Mas eu ainda não desisti
da música. Eu toco numa igreja.
-Legal cara.
-Por que você não toca na igreja Nicolas?
-Oras Jefferson.Você sabe que eu sou um cara sem religião.
-Ah é. Verdade.
Ele disse isso com certa lamentação,mas era o mesmo
Jefferson de antes.O mesmo cara que sonha em ser um grande músico,e ter uma boa
mulher,ou coisa do tipo. E eu sempre fui o solitário,o rabugento, o pessimista, mas éramos amigos. Éramos bons amigos.
-Jefferson.
-Sim?
-Desculpe.
-Desculpe pelo que?
-Você sabe.Eu te tratei muito mal.
-Tudo bem Nicolas. Tudo bem. Era pura zoação. O pessoal te
zoava também.
-Verdade. A Rosania então...
-O Emelino também...
-É...
-Faz parte da vida.
-Sim.Acredito que sim.
A gente ficou lá,batendo papo e tudo mais.Eu esqueci de ir no bar do meu amigo, e fiquei lá, da esquininha na rua Daniel Bernado. A rua
ficava cada vez mais lotada,com pessoas conversando,bebendo e tudo mais.
Tudo fluía bem,até aparecer uma figura.A última pessoa.A
pessoa em que nenhuma das garotas falaram pra mim.A ultima pessoa convidada do
encontro. Era a garota.
Ela apareceu, e Deus...ela era tão bonita. Cabelo castalho
solto ao vento, olhos castanhos duros e brilhantes, lábios canudos, usava um
casaco marrom, um salto estiloso, e uma calça jeans rasgada. O rosto era brilhante,
tinha uma cor branca e suave..Ela sempre
abria a boca com certa gentileza,e sempre transmitia uma voz suave.Era a garota
mais linda na rua.Ela parecia ...um sonho. Um verdadeiro sonho.E era ...era um
rosto familiar. Um rosto que eu já conhecia antes.Era estudava no Darcy também,mas...não sei...ela estava tão brilhante,e a presença dela era tão
forte.Ela apareceu,abraçou toda a garotada.E depois olhou pra mim.Olhou com
aqueles olhos castanhos profundos, quase brilhando junto com a estrela da tarde.
-Nicolas...lembra de mim?
Quando ela disse isso,todos os rostos na rua ficaram
borrados,sem expressões,sem nada.Eram apenas pessoas borradas,e o tempo de
alguma forma parou...
Eu ignorei a Katie, a Ana, a Rosania, e até o meu amigo
Jefferson.De alguma forma,era um momento em que apenas nos dois se destacávamos
do resto.Pode parecer arrogância,mas eu juro que era real.
-Então,você lembra de mim?
-Sim.Sim...mas ...desculpe...eu esqueci o seu nome.
-Hahaha...isso é tão comum .Você sempre foi um garoto
esquecido.Aposto que você não sabe o que comeu ontem.
-Poxa vida, não seja tão cruel. Já passaram 7 anos, e eu
devo ter melhorado alguma coisa.Eu lembro o que comi ontem:eu comi frango assado.
-E o que você comeu antes de ontem?
-Ai você esta pedindo muito.
-Viu...você não mudou...
-Dúvido que você sabe o que comeu antes de ontem.
-Claro que eu sei,e eu sei o seu maldito nome.Seu menino
esquecido.
-Ah sim.
-E eu sei até do seu antigo apelido.Aquele apelido idiota.
-Aquele?
-Sim.Aquele.
-Oh por favor...
-Pequeno Urso.
-Ah,que merda!Você lembra esse apelido dos infernos!
-Todo mundo que estudou da nossa época deve te conhecer,e
deve te chamar de Pequeno Urso.
-Eu detesto esse apelido.
-Eu sei.Você fica engraçado quando fica bravo.
-E você...
Ela olhou pra mim com certa curiosidade.Ela queria saber o
que eu ia falar.Eu ia falar algo ...algo que estava dentro do coração.Eu fiquei
com certo receio,e até gaguejei.Mas eu vi que tudo estava borrado,que tudo
parecia ser um sonho divertido,e que falar qualquer coisa naquele momento não
ia ser proibido.O tempo esta parado,ninguém esta vendo,somos criaturas
solitárias vivendo numa cidade solitária.Quantas vezes queremos dizer alguma
coisa fodastica, poética pra caralho, cósmica, mas não falamos porque sentimos
que é tosco?Que é algo desafinado?A maior reação das pessoas iam ser de
zombaria ,ou de sarcasmo? Eles iam rir da sua cara,e falar que você é brega.Oh Deus,como
eu queria pintar os meus amores,os meus
sentimentos e anseios por toda essa cidade.Como eu queria dizer pra aquela
mulher
-Eu o que?
-Você...fica linda quando dá esse sorriso.Esse sorriso mesmo
que você esta me dando.
Ela deu um sorriso vermelho, forte, genuíno .Não tinha pornografia,
e tão pouco tinha algo sujo.Era algo natural,perfeito em sua natureza,delicado
em sua formação daquele rosto bonito e fluido.
-Esse sorriso?
-Sim.
-Eu posso aumentar ele?
-Sim.
Ela aumentou o sorriso,mas ficou forçado.
-E agora?Eu estou mais linda?
-Agora você esta forçando.Ai não tem graça.
-Oras,por que não tem graça?
-Por que as coisas mais bonitas do mundo são as coisas
naturais,e não as coisas forçadas.
-Que legal,tipo aquelas fotos que as pessoas tiram sem a
nossa permissão.
-Sim,isso mesmo!Você sacou!Você entendeu!Lá esta a vida!Lá
esta a existência como ela é!
-Então a vida é uma merda.Pois cada foto feia que eu tenho.Fotos tiradas sem permissão.Fotos de
eu comendo macarrão,fotos de eu bêbada,dopada,ou coisa do tipo.
-Você fica linda em qualquer situação.
-Não seja tolo.
-A sua beleza é natural.Mesmo que um cara desfigure o seu
rosto,a sua beleza ainda vai estar ai,nesse sorrisinho de menininha.
-Eu não sabia que você é tão meigo.Quer dizer...acho que eu
sei,a questão é que você dá uma de durão..
-Talvez você tenha razão.E você...você sempre foi durona.
-Nunca fui durona.
-Oras,eu vi você quebrar a mandíbula da Joana.
-Aquilo foi necessário.Ela mexeu comigo.Mas ninguém é durão.
-Ninguém?
Ela dá aquele sorriso melódico e diz com extrema lerdeza.
-Ninguém.Nem mesmo você,pequeno urso.
-Ah para com isso!Que merda!
-Pequeno Urso. Humm...o
apelido até que é bonitinho.
-Você acha?
-Acho sim...
Depois disso,o tempo passou rápido.Passou mais rápido do que
de costume.Eu não consigo dizer pra vocês o que exatamente aconteceu,já que eu
não lembro claramente do meu sonho.Eu só lembro que ela chegou até o meu
corpo,me abraçou,e nos começamos a nos beijar.A gente voltou a se amar.Eu lembrei de tudo que vivemos. Cada
beijo foi um atestado de amor,atestado de compreensão e empatia,e a rua Daniel
Bernado ficou cada vez mais colorida,vibrante,elétrica.Parecia um carnaval
noturno.Todos os rostos(que daquele momento rápido se transformaram em mascaras
de fantasia) ficaram berrando,dançando,beijando.Até o meu pai,a lua, e sei lá
mais quem estava dançando.Foi algo louco e lindo.Foi algo vivo demais.
Porém o ultimo beijo foi proferido,e o ultimo beijo foi tão
rápido que nos dois percebemos que já passou um bom tempo que a gente estava naquela esquininha. Já fazia um bom tempo que estávamos sentado na rua, abraçados,
com um beijando o outro. O último beijo foi proferido do final da noite, e a
rua Daniel Bernado estava vazia. Todo mundo foi embora, menos a gente. A gente
deu o último beijo,ela ficou me abraçando e olhando seriamente pro meu
rosto.Aquilo foi intimo,e doloroso demais.Parecia que era mais um adeus,mais
uma maldita despedida nessa maldita cidade.Sim,sim,Deus sabe quantas despedidas
eu já fiz.
Ela olhou pra mim, brotou uma lágrima de cristal. Eu beijei
da testa dela,ela sorriu com tristeza.
-Menina...
-Oi?
-Por que tudo é tão triste do final?Por que a vida não é que
nem um aparelho sonoro?Onde podemos repetir aquela música gostosa infinitas vezes?
-Eu não sei,meu ursinho.
-Eu também não sei. Talvez eu sei, mas sinceramente...
-Não precisamos saber agora.Por hora,ainda somos idiotamente
jovens.
-Sim...mas as suas lágrimas...
-Sim...
-Eu esqueci que eu te amava.
-Eu também esqueci.
-Droga!Você é tão
intima.Você é tão linda.Mas deus me
perdoe...qual é o seu nome?
-O meu nome?
-Sim,sim.Olha,eu peço desculpa,mas eu ainda não lembro o seu
nome.Eu lembro do nosso passado,mas porra...eu esqueci o seu nome.Me diga,qual é o seu nome?Eu posso te procurar do facebook.
-Meu nome...meu nome...
Quando eu perguntei isso pra ela,bom...ela simplesmente
desabou.Ela começou a chorar do meu
ombro...
-Por que ?Por que choras tanto?Foi o que eu disse né? Deus,
você não sabe o quanto eu me odeio agora.Eu queria tanto saber o seu nome. Como
eu queria. Por favor, diga pra mim o seu nome.
-Não posso...não posso...
-Por que você não pode?Por favor,pare de chorar.Hoje foi tão
divertido,a gente riu tanto.Qual é o seu nome?
-Eu não posso Nicolas!Não posso!Deus do céu!Isso ia estragar
tudo!Eu não posso, não posso, não posso, não posso...
Única coisa que eu sei,foi que ela repetiu essa frase
infinitas vezes.E cada vez que ela repetia a frase,ela falava numa voz mais
apresada e mais chorosa.Ela infernal.Eu tentava beijar ela,dar algum tipo de
apoio,mas parecia que era tarde demais.Era e sempre vai ser tarde demais. Eu
fiquei lá, com ela, quase chorando ,e depois a rua foi dominado por uma grande névoa,
e depois eu acordei.
Acordei em torno de 5:40. Na verdade, foi o meu pai que me
acordou. Ele disse pra eu ir do trabalho.Eu acordei,troquei de roupas,escovei
os dentes,lavei o rosto,e fui novamente na rua Daniel Bernado. E não sei
porque, quando eu cheguei na rua,eu senti uma dor do estômago e da alma. Eu me
senti triste e só.
E a névoa(de alguma forma estranha)ainda estava lá.