Obs: Esse texto é dedicado a minha querida Vó Célia.
Hoje a Madame Morte visitou uma pessoa muito querida.Ela
visitou a minha Vovó Esmeralda do hospital público de Vergueiro em torno de
duas da manhã.O meu tio Geraldo estava lá segurando as mãos doces da Vó
Esmeralda,e depois ele percebeu um sopro melódico que a Madame Morte soprou
para o corpo da Vó Esmeralda.Depois
disso ele viu que era tarde demais para
a vó Esmeralda.
A Vó Esmeralda morreu.
Depois disso o tio Geraldo ligou para o meu pai,o meu pai se
levantou da cama e foi direto pro hospital.Porém daquele momento já era tarde
demais.A Madame Morte já fez o trabalho dela,e apenas deixou flores de plástico
do peito da minha vó como uma espécie de conforto(ou de triste ironia).
A Vó Esmeralda morreu.
O meu pai assim como os meus tios teve que cuidar da papelada,pegar
os documentos da minha Vó,pensar do cemitério e tudo mais.Ele foi da
funerária,teve que ajudar a colocar as roupas
da Vó junto com o funcionário da
funerária.A minha Vó estava pesada demais.Mas ele conseguiu colocar a roupa do
corpo falecido.A Madame Morte não estava
mais lá,ela não mexia nessas coisas.Quem mexia das burocracias dos defuntos
sempre são os vivos,e não a Madame Morte.
A Vó Esmeralda morreu.
Em torno de 10 da manhã eu acordei.Minha mãe olhou pra mim
como olhos tristes e disse pra eu me preparar.De alguma forma eu já sabia o que
ela ia dizer,pois parece que eu estava
seguindo os trilhos que a Madame Morte fez nesses últimos meses.De qualquer
forma,a minha mãe avisou...
“Nicolas,a tua Vó esta morta.A Vó Esmeralda morreu.”
Depois disso eu sabia o que iria ocupar o meu dia
inteiro.Única coisa que eu não sabia é
se eu iria suportar tudo aquilo.Uma hora depois eu me troquei,me vesti tudo de
preto.Eu apenas esqueci do meus óculos,pois eu não queria que as pessoas me
visse chorar.De qualquer forma,isso não importava tanto.Passou mais uma hora,o
meu pai chegou.Todo detonado,estilhaçado em mil pedaços.Mas ele tentou parecer
forte,na verdade ele tinha que ser forte.
Pois a Vó Esmeralda
morreu.
Ela ia ser enterrada do cemitério da saudade.Perto de
casa.Mas não sei porque,parecia que o caminho era longo.As ruas estavam
vazias,o céu estava ameaçando chover.As putas saíram das esquinas.São Paulo
parecia ser a cidade mais triste e solitária do mundo.De fato,a Madame Morte
fez uma belíssima festa fúnebre.Com céus cinzas,ruas vazias,vômitos de
cachorros e tudo mais.
A Vó Esmeralda morreu.
Quando chegamos do cemitério da saudade,tínhamos que
conversar com os funcionários.Eles disse que era pra gente entrar da sala 2 do
corredor 1.A minha Vó estava lá,assim como boa parte da minha família.A gente
seguiu o corredor,andando até a sala 2.Do meio do caminho a gente só viu
pessoas chorando,andando sem nenhum destino,pessoas partidas em mil pedaços.A
gente chegou da porta 2,e eu vi a minha tia Dilma sair de lá com os olhos
vermelhos e o rosto molhado.Eu vi também alguns dos meus primos,tios e
amigos.Tudo mundo estava triste,chorando,ou então tentando não chorar.Do centro
da sala estava o meu tio pastor perto de um tumulo recheado de flores.Um tumulo
recheado de flores onde a minha Vó estava estabelecida.As pessoas tocavam da
mão dela pra ver se ainda tinha um pouco de calor vivo.
A Vó Esmeralda morreu.
Passou um tempo.O meus pais ficaram pra fora da
sala,tentando tomar ar fresco.Eu simplesmente não fiz isso.Eu fiquei lá parado
como cera,olhando pro túmulo,olhando pro rosto partido dela.Daquele momento eu
tentava aceitar aquilo,mas algo doía por dentro.Algo incendiava o meu coração,tirava
um pedaço dele e jogava da cesta de lixo.Aquilo doeu pra caralho.
A Vó Esmeralda morreu.
Passou meia hora olhando pro rosto da Vó Esmeralda.Enfim
chegou os pastores,os caras que iam fazer belos discursos e tudo mais.Eu ouvi
aquilo,assim como ouvi as canções clamando por Deus e por um mundo que seja
melhor que o nosso.Durante todo aquele ato,eu continuava olhando pro rosto
morto da Vó Esmeralda.Aquele foi o momento onde a moeda realmente caiu da ficha.Aquele
foi o momento que eu percebi mesmo que ela morreu.Onde eu percebi que não vai
ter mais Domingo da casa dela,que eu não
ia mais comer aquele delicioso bolo de cenoura que ela fazia,que eu não ia mais
levar broncas dela,ou então eu não ia mais receber os telefonemas que ela me
dava quando eu fazia aniversario.A Vó Esmeralda se foi.Eu chorei que nem uma
criança perdida do shopping sem a vista
dos pais.
A Vó Esmeralda morreu.
Eu me senti rodeadas de pessoas,mas ao mesmo tempo me senti totalmente só.Por mais que todo mundo
compreendia aquilo,sentia aquilo junto comigo...eu me sentia só.Nenhum abraço
poderia me reconfortar,nenhuma frase poderia me deixar bem,nenhum ato bondoso
me deixaria alegre. Ninguém poderia me salvar,eu estava fodido.Eu estava
delirando,eu estava chorando não só aquela
ausência que a Vó Esmeralda fez hoje,mas
a ausência que ela vai fazer pro resto da minha vida.Ela era umas das poucas
pessoas que me compreendia.
A Vó Esmeralda morreu...
Bom,depois de toda aquela
cerimônia os caras do cemitério apareceram.Eles chegaram com um carrinho
pequeno.A minha família pegaram o túmulo,colocou do carrinho com a maior
delicadeza.Os caras da funerária dirigiram com delicadeza.Engaçado,quando a
gente fica vivo,as pessoas nos tratam como merda ,mas quando alguém morremos,as
pessoas nos tratam com uma extrema delicadeza.O que a Madame Morte fez com o
mundo para que ele funcionasse de uma maneira tão estranha?Será que a culpa é
realmente dela?
Será que a culpa é inteiramente nossa?
Bom,eu só sei que a Vó
Esmeralda esta morta.
O carrinho levou aquele túmulo lentamente ao destino.Eu
caminhei junto com a minha família.Eu dei uma olhada pra trás,e vi que tinha
varias pessoas seguindo o tumulo da minha Vó.De fato,ela era uma boa pessoa,e
todo mundo ama ela.Foi um momento muito bonito.A caminhada durou pouco,o
carrinho parou do local que ia ser enterrado.Eu dei uma olhada pro local,era um
longo buraco.Eu vi eles colocando delicadamente o tumulo da minha vó dentro
daquele buracão,e depois eu vi o meu tio Geraldo pegar a pá e colocando a terra
sobre o tumulo.Eu senti o peso da terra sobre o tumulo,e eu vi o tumulo
desaparecer sobre o rio de terra.Ela se foi.
A Vó Esmeralda se
foi.
O funeral acabou e eu fui embora.Fui pra minha casa.Cheguei
lá em torno de 19:00.Eu entrei do meu quarto,toquei um pouco de guitarra e
depois vi você deitado da minha cama. Sim,você
mesmo Madame Morte.
Você estava nua,com os seios pra fora,mostrando um corpo lindo e escultural.Os teus olhos são negros como a noite, a sua boca é vermelho bruto como a rosa da primavera perdida,e a tua pele é branca como a neve.Oh Madame Morte,tu es linda demais.
E as vezes cruel demais.
Ela sorriu pra mim.Um sorriso misterioso e ao mesmo tempo
soturno.
Ela me disse
“Você vai ter que se
costumar a conviver comigo Nicolas.Você sabe disso certo queridinho?”
Eu olhei pra ela e disse
“Você sabe que ninguém gosta de conviver contigo
queridinha.”
Ela riu alto,e replicou...
“Não é isso que você pensava dois anos atrás.Certo?Eu lembro
como você era.Você pedia a minha ajuda
toda hora.”
Eu olhei pra ela com raiva e disse
“As vezes você é uma puta.”
Ela me deu um sorriso bravo e disse
“Não,eu não sou uma puta.Você sabe muito bem disso meu
queridinho.Pois toda puta tem um preço,e eu não tenho preço.Você pode ser o
cara mais gostoso ou rico do mundo,que eu não vou me recuar perante aos meus
serviços.Eu estou sempre em serviço.Nunca aposentei,nunca tirei
férias.Folgas?Não.As pessoas pensam que as vezes eu tiro folgas,só que do final
das contas eu sempre a surpreendo.Eu sou surpreendente. “
Eu fiquei olhando pra ela,só que com tristeza.Eu não tinha
raiva.Não mais...
“Só me diga uma coisa.Responde apenas uma pergunta...”
Ela demonstrou uma certa curiosidade...
“Sim,diga-me o que tu pensas.Que pergunta você quer fazer?”
“O que acontece depois?”
“Como assim depois?”
“Depois de você fazer o seu trabalho,por onde as pessoas
vão?Existe Deus?Existe paraíso?Existe inferno ou coisa do tipo?”
Ela olhou pro teto,ficou refletindo por um bom tempo e
depois respondeu.
“Hum...eu não faço ideia Nicolas.Não faço a mínima ideia.”
“Poxa vida!Eu pensei que você sabia...”
“Hahaha!Minha doce criança!Eu não sei de nada.Eu só sei que
nunca descanso.”
“Hum...que pena...”
Ela saiu da minha cama,ficou me encarando com um sorriso
erótico(de fato ela era muito linda) e disse
“Estou indo.Mas eu lhe desejo uma boa noite.E não se esqueça
de mim”
Eu olhei pra ela e dei um sorriso cínico.
“Não,não vou te esquecer.”
Ela riu e disse
“Que bom,pois você sabe que eu não vou esquecer de você.Cedo
ou tarde eu vou te pegar.Ah como vou...”
Ela riu novamente e saiu através da minha janela.Eu olhei
pra fora e ela sumiu.
“Hum...que criatura estranha...”Pensei comigo mesmo.
De qualquer forma,aqui estou eu.Dormindo com as
trevas,recebido pelas luzes do amanhecer futuro.Vendo os meus queridos
morrerem,e conversando (de vez em quando) com a Madame Morte.
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